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A Taxa de Administração Antecipada em Consórcios Como Instrumento de Golpes

  • Foto do escritor: Grazziani Frinhani Riva
    Grazziani Frinhani Riva
  • 25 de mar.
  • 16 min de leitura

 

 

Sumário

 

 

 

Resumo:

A cobrança antecipada da taxa de administração em contratos de consórcio tem se revelado, na prática, um instrumento recorrente de golpes contra o consumidor. Sob a justificativa de despesas administrativas iniciais, muitas administradoras retêm valores expressivos logo nos primeiros meses do contrato, mesmo quando o consorciado não permanece no grupo ou sequer usufrui da gestão prometida.

 

Essa antecipação desproporcional, dissociada da efetiva prestação de serviço, configura enriquecimento ilícito e viola os princípios da boa-fé, da transparência e do equilíbrio contratual. Em especial, prejudica consorciados que, ao desistirem do contrato nos primeiros meses, descobrem que quase a totalidade do valor pago foi absorvida pela administradora sem retorno proporcional.

 

O presente artigo analisa essa prática à luz do Código de Defesa do Consumidor, da Lei nº 11.795/2008 (Lei dos Consórcios) e da jurisprudência dominante. Sustenta-se a nulidade das cláusulas que autorizam retenções abusivas e defende-se a restituição imediata dos valores indevidamente cobrados, ainda que o grupo não esteja encerrado. Aponta-se, por fim, caminhos extrajudiciais e judiciais para contestar essas cobranças e resguardar os direitos do consorciado lesado.

 

 

A Taxa de Administração Antecipada em Consórcios como Instrumento de Golpes

 

No Brasil, o sistema de venda de consórcios se tornou um terreno fértil para fraudes. Estratégias agressivas criam expectativas irreais, associadas a promessas de rápida aquisição de crédito para compra de bens, mascaram um modelo de negócio que garante lucros imediatos aos representantes de vendas e às administradoras — em prejuízo direto do consorciado, que se vê sem o bem, sem recursos e com o Judiciário como única alternativa.

 

O roteiro do golpe segue um padrão e tem início já na abordagem comercial. A meta é concluir a venda captando o maior valor possível de entrada. Assim, motivados por comissões generosas — embutidas na taxa de administração antecipada —, vendedores apresentam ao consumidor um cenário ilusório. É comum que anunciem na internet a venda direta de veículos ou imóveis mediante o pagamento de uma entrada e parcelas mensais, ocultando que, na verdade, trata-se da adesão a um consórcio.

 

Ainda nessa fase inicial, evita-se mencionar diretamente o termo “consórcio”. Em vez disso, utilizam-se expressões como “autofinanciamento”, “crédito facilitado para compra” ou “carta de crédito”, transmitindo uma ideia de solução rápida, simples e garantida na aquisição do bem. Só após despertar o interesse do consumidor é que o discurso é gradualmente ajustado e reforçado por promessas de liberação de crédito em curto prazo.

 

Em muitos casos, o consumidor só percebe que firmou um contrato de consórcio após efetuar o pagamento da entrada, tão cobiçada pelos vendedores. É nesse momento que surgem, com maior clareza, expressões como “assembleia”, “contemplação” e “sorteio” — termos até então omitidos ou suavizados durante a negociação quando, em muitos casos, no máximo se mencionava uma “liberação do crédito”.

 

O próximo passo é uma ligação pós-venda de “confirmação de contrato”, convenientemente realizada pela administradora sempre após o pagamento da entrada quando o consumidor já investiu suas economias e está enebriado pela expectativa de realização do sonho de adquirir o bem.

 

Nessa ligação, o consumidor é instruído a declarar que conhece e concorda com as regras do consórcio — muitas vezes recebe as perguntas que terá que responder, anotadas em um script que lhe é entregue previamente, roteiro do qual é proibido de se desviar sob a advertência de “não conseguir o crédito”. Essa ligação, que é gravada, longe de proteger o consumidor, é na verdade um álibi, construído pela administradora: caso haja reclamação futura, servirá para “comprovar” que o consorciado foi corretamente informado, blindando a empresa contra alegações de má-fé.

 

Assim, o consorciado, passa a confiar na promessa de liberação rápida do crédito. No entanto, o que ele não sabe é que o valor na entrada e primeiras parcelas, em vez de ser destinado ao fundo comum — que é o pilar do sistema de autofinanciamento — é em grande parte desviado na forma de taxa de administração antecipada que serve à remuneração da administradora e às comissões dos vendedores.

 

Assim que a primeira assembleia ocorre e a contemplação prometida não se concretiza, o cenário muda e os vendedores que outrora foram tão solícitos e presentes, simplesmente “somem”. Frustrado, o consorciado busca rescindir o contrato, momento em que descobre que terá que aguardar o encerramento do grupo ou sorteio de sua cota cancelada — o que pode levar dezenas de anos — para ter direito a qualquer devolução dos valores pagos.

 

Pior ainda: mesmo após essa longa espera, o valor devolvido costuma ser irrisório, absolutamente desproporcional ao que foi investido, consumido em grande parte pela taxa de administração antecipada que só então passa a ser conhecida pelo consumidor, o que intensifica a frustração de quem acreditava estar fazendo uma escolha segura e planejada.

 

Em suma, boa parte do valor pago na adesão é desviada da finalidade coletiva do consórcio e serve, desde o início, para remunerar a administradora e vendedores — mesmo sem qualquer serviço efetivamente prestado. Trata-se de um modelo que antecipa lucros e impõe ao consumidor o risco exclusivo da operação.

 

Essa distorção é reforçada pela falta de transparência. Em muitos contratos, a taxa de administração antecipada não é claramente destacada, e o consorciado sequer é informado de que esses valores não integram os fundos do consórcio destinados à aquisição do bem, mas, em verdade, são apropriados pela administradora antes mesmo da gestão iniciar.

 

Trata-se de uma epidemia nacional. Empresas representantes de vendas desaparecem subitamente, muitas vezes desmanteladas por operações policiais, deixando prejuízos vultosos e famílias inteiras desamparadas. O Judiciário, já sobrecarregado, passa a ser a última esperança de consumidores frustrados.

 

Mas como reivindicar direitos diante de contratos aparentemente regulares e legalmente autorizados? A resposta está em uma análise jurídica mais atenta, que vá além da literalidade contratual e revele a prática abusiva camuflada sob a aparência de legalidade.

 

A taxa de administração antecipada é o núcleo desse modelo de desequilíbrio. Quanto maior o valor antecipado, maiores as comissões e os lucros iniciais da administradora — o que incentiva abordagens comerciais agressivas e promessas enganosas. Ao desistir ou ser excluído do grupo, o consorciado arca sozinho com o prejuízo, enquanto a administradora já embolsou sua remuneração, sem riscos e sem compromisso com a contraprestação.

 

Diante desse cenário, a devolução imediata da taxa de administração antecipada de forma proporcional ao tempo de permanência do consorciado no grupo de consórcios, não é apenas um direito do consumidor: é um meio de desmantelar esquemas fraudulentos, trata-se de uma exigência jurídica e ética. A restituição proporcional desses valores é medida indispensável para coibir abusos, desestimular práticas fraudulentas e restabelecer a confiança no sistema de consórcios — que, em vez de realizar sonhos, tem destruído projetos de vida.

 

 

1.     Falta de Transparência, Desproporcionalidade e Violações na Cobrança da Taxa de Administração Antecipada

 

A Lei nº 11.795/2008 (Lei dos Consórcios) autoriza a cobrança da taxa de administração, exigindo, contudo, clareza e transparência no contrato. O artigo 27, § 3º permite a cobrança antecipada dessa taxa desde que expressamente prevista e destacada no momento da assinatura[1], destinando-se à cobertura inicial de despesas administrativas e remuneração de vendedores. Contudo, essa previsão, apesar de legítima, tem aberto espaço para abusos frequentes na prática.

 

Em muitos casos concretos, administradoras de consórcio ignoram essas exigências legais de transparência, misturando a taxa antecipada aos pagamentos iniciais sem indicar claramente os valores exatos e seu destino específico. Com isso, violam diretamente o direito fundamental do consumidor à informação adequada previsto no artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor.

 

Não raro, o consumidor se vê diante de tabelas confusas e genéricas nas propostas de adesão, recheadas de coleções de percentuais que tornam incompreensíveis os impactos financeiros da contratação, configurando clara prática abusiva.

 

Vale ressaltar que, embora o § 1º, do artigo 27, da Lei nº 11.795/2008, permita que as obrigações financeiras sejam expressas em percentuais relativos ao preço do bem, isso não exime as administradoras de especificar claramente a destinação efetiva dos valores pagos e apresentá-los também em moeda corrente nacional. A Circular BACEN nº 3432/2009, que regulamenta os contratos de consórcio, reforça essa exigência em seu art. 5º, inciso VII, alínea “c”, ao determinar que os contratos de adesão indiquem, de maneira clara e explícita, os direitos e deveres das partes, incluindo detalhadamente todas as obrigações financeiras do consorciado, tais como a antecipação da taxa de administração, alinhando-se ao dever geral de informação previsto no artigo 6º, III, do CDC.

 

As consequências dessa falta de transparência são graves: não são raros os casos em que mais de 80% dos valores pagos inicialmente pelo consorciado são retidos, sem serem destinados ao fundo comum, essencial para aquisição dos bens ou serviços contratados. Em desistências ocorridas logo após o ingresso no grupo, o consorciado descobre que pagou antecipadamente por uma administração parcial, que sequer será plenamente realizada devido à sua saída precoce. Enquanto isso, a administradora já garantiu ganhos expressivos sem oferecer uma contraprestação proporcional ao valor recebido.

 

Essa apropriação excessiva da taxa de administração antecipada tem sido objeto frequente de questionamento no Poder Judiciário. Contudo, algumas decisões judiciais acabam equivocadamente postergando a devolução integral desses valores até o final do grupo, muitas vezes porque as ações judiciais não fazem uma diferenciação adequada entre as verbas que integram patrimônio coletivo e aquelas que constituem receita privada da administradora.

 

Nesse ponto, torna-se crucial entender claramente a diferença entre a natureza jurídica da taxa de administração antecipada e a dos fundos comum e de reserva. Estes fundos constituem patrimônios coletivos de afetação, diretamente destinados ao autofinanciamento e à estabilidade financeira do grupo. Já a taxa antecipada configura-se como receita privada da administradora, apropriada imediatamente em pagamento pelos serviços iniciais, como organização do grupo e remuneração de vendedores. Ela não integra o patrimônio do grupo nem é vinculada diretamente à sua estabilidade financeira.

 

Assim, especialmente em situações de desistência precoce do consorciado, essa distinção ganha relevância decisiva: reter integralmente a taxa antecipada revela-se injusto e claramente desproporcional, pois a administradora mantém valores expressivos sem oferecer contraprestação proporcional ao consumidor. Essa prática representa não apenas um claro desvio da finalidade contratual, mas também um evidente enriquecimento sem causa em favor exclusivo da administradora.

 

Para melhor compreensão dessa injustiça, imagine-se o seguinte exemplo prático: alguém contrata um pintor para realizar o serviço de pintura em uma residência com 10 cômodos e paga antecipadamente o valor correspondente a 8 cômodos. Após a pintura concluída em apenas um cômodo, o contratante decide cancelar o restante do serviço. Nesse cenário (ainda que não seja aplicável o CDC), mostra-se razoável e justo que o prestador de serviços devolva a parte do pagamento antecipado que excede o trabalho realizado. Especificamente, deveria haver um reembolso proporcional correspondente aos 7 cômodos não pintados, excluindo-se o cômodo efetivamente pintado e eventuais perdas e danos devidamente comprovados. Medida é fundamental para evitar um enriquecimento sem causa do prestador de serviços.

 

Em qualquer situação, portanto, é razoável esperar que valores pagos antecipadamente sejam reembolsados de maneira proporcional ao serviço efetivamente prestado. Mesmo em casos de desistência, deve prevalecer o princípio da proporcionalidade e equidade, impedindo que a administradora retenha quantias além do que lhe é devido pelo trabalho realmente realizado. Esse princípio básico não apenas assegura justiça contratual, mas também impede o enriquecimento injustificado, protegendo adequadamente o consumidor.

 

Essa cobrança antecipada desproporcional em diversos casos já foi considerada abusiva e injusta pelo Poder Judiciário[2], revelando-se prejudicial tanto aos consorciados quanto ao próprio sistema de consórcios, além de violar princípios jurídicos fundamentais previstos na legislação consumerista e contratual. Entre os principais problemas jurídicos e práticos identificados estão:

 

 

1.1.                   Prejuízo ao Desistir

Quem desiste ou é excluído do consórcio logo após aderir enfrenta perdas significativas, já que grande parte dos pagamentos iniciais é destinado à taxa de administração antecipada e não retorna ao consorciado de forma justa. Na melhor das hipóteses, ocorre um reembolso mínimo e atrasado, enquanto a administradora retém esses valores sem ter prestado serviço. Essa prática, que gera lesão patrimonial direta, viola o artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor ao impor onerosidade excessiva.

 

1.2.                   Desvio do Sistema

Os recursos que o consorciado acredita estar destinando ao fundo comum – que serve para a composição do crédito aos consorciados contemplados – ao serem direcionados à taxa de administração antecipada de forma excessiva e desproporcional compromete o autofinanciamento coletivo, definido no artigo 2º, ao reduzir os valores disponíveis para contemplações, priorizando ganhos imediatos da administradora e corroendo a própria essência do consórcio.

 

1.3.                   Violação ao Dever de Informação 

Ao realizar o pagamento da entrada e parcelas iniciais, os recursos que o consorciado acredita estar destinando ao fundo comum – que serve para a composição do crédito aos consorciados contemplados – ao serem direcionados à taxa de administração antecipada sem o devido conhecimento do consumidor, mascara o dever de esclarecimento previsto na lei consumerista, especialmente se não obedecer o destaque previsto no inciso I, do artigo 27, § 3º da lei de consórcios. Essa prática fere o dever de transparência prévia e o direito à informação adequada, assegurado pelo artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor.

 

1.4.                   Vício de Consentimento 

A ocultação do peso da cobrança antecipada também impede o consorciado de compreender o ônus real do contrato, comprometendo seu consentimento e configurando vícios que tornam o contrato anulável, como o erro substancial (art. 138, do Código Civil), ou o dolo (art. 147), quando há dissimulação intencional. Em situações de vulnerabilidade evidente, como a inexperiência, a desproporção manifesta pode caracterizar também a lesão (art. 157).

 

1.5.                   Vantagem Manifestamente Excessiva 

A cobrança antecipada, desproporcional, explora a vulnerabilidade do consorciado ao garantir vantagens imediatas à administradora sem exigir a gestão efetiva do contrato. O consumidor que logo sai do contrato arca com pagamentos por um serviço que jamais será entregue, enquanto a administradora embolsa lucros sem riscos, configurando um desequilíbrio contratual expressamente vedado pelo artigo 39, V, do Código de Defesa do Consumidor.

 

1.6.                   Enriquecimento Sem Causa da Administradora 

A retenção de valores antecipados ocorre sem a devida prestação do serviço, sobretudo em contratos rescindidos precocemente, configurando uma cobrança injustificada por uma gestão que, nesses casos, jamais será realizada. Enquanto o consorciado amarga prejuízo, a administradora aufere ganhos sem respaldo, caracterizando enriquecimento sem causa, vedado pelo artigo 884 do Código Civil, e ferindo a boa-fé objetiva que deve reger o contrato.

 

1.7.                   Propaganda Enganosa por omissão de informações 

As administradoras escondem que a entrada, em grande parte, é direcionada à cobrança antecipada da taxa de administração, omitindo um dado essencial ao consumidor. Essa informação, crucial para compreender o custo real e o funcionamento do consórcio, se violada, afeta artigo 37, § 1º, do CDC, induz o consumidor a erro ao sugerir que o pagamento inicial acelera a contemplação ou será restituído em caso de desistência. Assim, o consorciado ingressa no contrato com ilusões de acessibilidade, enfrentando prejuízos e frustrações que desmentem as promessas iniciais.

 

1.8.                   Dano Concreto ao Consumidor 

A retenção antecipada da taxa provoca prejuízo financeiro imediato ao consorciado desistente, pois, perde valores sem receber o serviço correspondente. Com isso, o patrimônio e o planejamento do consorciado são diretamente lesados, fato que pode justificar inclusive pedido de indenização por dano moral por conta de estresse e insegurança financeira.

 

 

2.     A Cobrança Antecipada da Taxa de Administração é Ilegal?

Não é ilegal. A lei de consórcios autoriza a cobrança no artigo 5º, § 3º, que assegura à administradora o direito à taxa de administração como remuneração pela formação, organização e gestão do grupo até seu encerramento. O art. 27, § 3º, faculta sua antecipação total ou parcial, desde que prevista no contrato e destacada na assinatura, para despesas iniciais como a remuneração de corretores.

 

Essa prerrogativa, porém, não é absoluta. Embora a antecipação da taxa seja legalmente permitida, sua cobrança deve respeitar parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, conforme já sinalizou o Superior Tribunal de Justiça. Em precedente de 2006, a 3ª Turma, no REsp 541.184/PB, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi, entendeu que percentuais que excedam limites normativos — como o teto de 12% fixado pelo artigo 42 do Decreto nº 70.951/72 — configuram abuso, sujeitando a administradora à redução do valor excedente, desde que a desproporção seja evidente em relação ao serviço prestado.

 

Mais recentemente, contudo, a Segunda Seção do STJ pacificou que a taxa de administração pode ser livremente pactuada, alinhando-se às diretrizes do Banco Central e afastando a aplicação do Decreto nº 70.951/72. Esse entendimento reconheceu a autonomia contratual, mas não eximiu a cobrança de escrutínio judicial, especialmente quando os valores antecipados carecem de justificativa técnica que os vincule ao custo real das despesas iniciais.

 

Assim, o Judiciário mantém a prerrogativa de analisar a legitimidade da cobrança caso a caso, a exemplo do que ocorre com taxas de juros bancários. Percentuais exorbitantes ou desvinculados da gestão efetiva — como aqueles que superam significativamente a média de mercado ou que não refletem a gestão efetiva do grupo — podem ser considerados abusivos, ainda que formalmente previstos no contrato, evidenciando uma aplicação deturpada da faculdade legal de antecipação.

 

Em suma, a administradora tem liberdade para fixar o percentual de taxa de administração, mas isso não chancela a cobrança de valores desproporcionais violando o dever de informação e fora do que foi previsto contratualmente.

 

 

3.     Devolução Imediata da Taxa Antecipada e o Enunciado nº 25 do TJES

 

Com exceção dos casos de nulidade contratual — como vícios de consentimento, a exemplo de erro ou dolo, coação, lesão —, nos quais tribunais têm reconhecido o direito à devolução imediata para reparar o consumidor lesado por irregularidades da administradora. A jurisprudência, em regra, posterga a restituição dos valores pagos por consorciados desistentes ou excluídos até o encerramento do grupo, sob o entendimento de que a devolução imediata poderia desequilibrar o sistema de consórcio, comprometendo sua estabilidade financeira.

 

É nesse contexto que o Enunciado nº 25 dos Juizados Especiais do Espírito Santo ganha relevância, ao delimitar o alcance da postergação, assim dispondo:

 

“É devida a restituição de valores vertidos por consorciado desistente ao grupo de consórcio, mas não de imediato, e sim em até trinta dias a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do plano.”

 

O enunciado demonstra preocupação do julgador com o equilíbrio financeiro do grupo, protegendo os consorciados ativos que dependem dos valores recolhidos ao fundo comum para as contemplações.

 

O enunciado trata especificamente da restituição de valores vertidos ao grupo de consórcio e não à administradora ou à pagamento de vendedores, reforçando assim a legitimidade do pedido de restituição imediata de tais valores.

 

Ademais, sabe-se que os consorciados entram e saem constantemente, muitos aderindo a grupos em andamento — frequentemente apresentados nas vendas como mais vantajosos. Contudo, todos, sem exceção, pagam as taxa de administração antecipadas, independentemente do momento de ingresso ou da duração de sua permanência, o que evidencia que essa cobrança não está atrelada à dinâmica coletiva do grupo, mas à remuneração direta da administradora.

 

Dessa forma, enquanto os montantes do fundo comum e de reserva seguem a regra da postergação em desistências ou exclusões, a taxa de administração antecipada, por sua natureza distinta, escapa a essa restrição. Sua vinculação à prestação de serviços, reforça que retê-la sem correspondência à gestão efetiva configura um desvio injustificável do propósito do consórcio.

 

Cabe aqui ainda uma observação: A postergação da devolução ao fim do grupo, mesmo para outros valores, foi rejeitada pelo veto ao artigo 30 da Lei nº 11.795/2008 (Mensagem nº 762/2008), por ser considerada abusiva e contrária ao CDC (art. 51, IV). Este autor defende que decisões judiciais que determinam a restituição de valores ao fim do grupo podem ser questionadas constitucionalmente, por desrespeitar a vontade legislativa final e violar o princípio da separação de poderes (art. 5º, XXII, CF), mas tal análise extrapola o foco desta discussão, centrada na taxa antecipada, e será objeto de análise em artigo próprio.

 

 

4.     Como Recuperar Valores Retidos Indevidamente?

 

Conforme exposto ao longo deste artigo, a cobrança e retenção indevida da taxa de administração antecipada, especialmente quando feita sem clareza e em desproporção ao serviço efetivamente prestado, configuram práticas abusivas que violam princípios básicos da legislação civil e consumerista. O consumidor lesado, portanto, dispõe de caminhos jurídicos para recuperar os valores pagos e retidos injustamente, podendo inclusive buscar reparação por danos materiais e morais decorrentes dessas práticas.

 

A seguir, apresentam-se algumas medidas práticas e eficientes para enfrentar essa situação, recomendando-se inicialmente tentativas extrajudiciais antes de recorrer à esfera judicial, preferencialmente com o suporte técnico de uma assessoria jurídica especializada.

 

 

a)     Solicitação Extrajudicial de Revisão Contratual

Uma medida inicial recomendada é notificar extrajudicialmente a administradora do consórcio. Nessa notificação, o consumidor deverá solicitar expressamente a devolução imediata e proporcional dos valores cobrados indevidamente a título de taxa de administração antecipada, especialmente nos casos em que houve violação do dever de informação clara sobre a destinação desses valores.

 

A notificação deve exigir ainda um demonstrativo detalhado sobre como os valores foram utilizados e evidências documentais que demonstrem que as informações sobre a taxa antecipada foram prestadas adequadamente ao consumidor no momento da contratação. Recomenda-se que essa comunicação seja feita preferencialmente por canais oficiais ou formais, como carta registrada ou notificação eletrônica com registro de recebimento, garantindo força probatória em caso de ação judicial futura.

 

 

b)     Ação Judicial para Restituição dos Valores Pagos

Caso a administradora não atenda adequadamente a notificação extrajudicial, negando-se a fornecer as informações solicitadas ou recusando-se a devolver os valores indevidos, o consumidor poderá recorrer ao Judiciário por meio de ação própria, podendo pleitear:

 

·       Apresentação detalhada dos valores efetivamente cobrados e sua destinação real;

 

·       Revisão contratual para correção da cobrança excessiva ou abusiva;

 

·       Restituição imediata e proporcional da taxa antecipada, considerando o tempo de permanência efetiva no consórcio;

 

·       Devolução em dobro do valor cobrado indevidamente, caso se comprove má-fé ou abusividade evidente;

 

·       Incidência de correção monetária e juros legais sobre os valores retidos indevidamente;

 

Indenização por danos morais, caso fique comprovado que a conduta abusiva da administradora tenha gerado transtornos significativos ao consumidor, como prejuízos financeiros graves, desgaste emocional ou perda relevante de tempo útil.

 

 

5.     Conclusão

 

A prática da cobrança antecipada da taxa de administração em contratos de consórcio tem se tornado uma frequente fonte de prejuízos financeiros e transtornos aos consumidores. Muitas administradoras, sob o argumento de cobrir despesas administrativas iniciais, têm realizado retenções excessivas e desproporcionais já nos primeiros meses dos contratos, especialmente prejudiciais aos consorciados que desistem do grupo ainda na fase inicial, sem sequer usufruir adequadamente dos serviços contratados.

 

Tal conduta, além de configurar enriquecimento ilícito em favor das administradoras, afronta diretamente princípios fundamentais do Direito, como boa-fé contratual, transparência e equilíbrio econômico das relações de consumo. Essas práticas são consideradas abusivas perante a Lei nº 11.795/2008 (Lei dos Consórcios), o Código de Defesa do Consumidor e a jurisprudência majoritária sobre o tema.

 

Neste artigo, ficou demonstrada a necessidade jurídica da restituição imediata e proporcional da taxa antecipada cobrada e retida indevidamente, independentemente do encerramento do grupo, destacando-se ainda os caminhos jurídicos extrajudiciais e judiciais adequados para garantir a proteção dos direitos do consumidor.

 

Portanto, o consumidor que se sentir lesado por tais práticas não deve aceitar passivamente essas perdas. Buscar orientação jurídica especializada é fundamental para recuperar os valores retidos indevidamente e garantir seus direitos de forma efetiva e segura.

 

 


[1] Lei nº 11.795/2008. Art. 27.  [...]

§ 3º É facultado estipular no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, a cobrança de valor a título de antecipação de taxa de administração, destinado ao pagamento de despesas imediatas vinculadas à venda de cotas de grupo de consórcio e remuneração de representantes e corretores, devendo ser:

I – destacado do valor da taxa de administração que compõe a prestação, sendo exigível apenas no ato da assinatura do contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão;

[2] APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. CONSÓRCIO. DESISTÊNCIA DO CONSORCIADO. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. Possibilidade de retenção da taxa de administração correspondente ao período de permanência do consorciado no grupo. Taxa de administração antecipada que deve ser restituída por se tratar de cobrança adiantada, nos termos do art. 27, § 3º, inciso II, da Lei nº 11.795/2008. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP – AC: 10223624920188260001 SP 1022362-49.2018.8.26.0001, Relator: Régis Rodrigues Bonvicino, Data de Julgamento: 17/07/2020, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/07/2020);

 

APELAÇÃO – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – RECURSO – CONSÓRCIO – POSSIBILIDADE DE RETENÇÃO DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO CORRESPONDENTE TÃO SOMENTE AO PERÍODO DE PERMANÊNCIA NO GRUPO – TAXA DE ADMINISTRAÇÃO ANTECIPADA – POR SE TRATAR DE COBRANÇA ADIANTADA, ART. 27, § 3º, INCISO II, DA LEI Nº 11.795/2008, DEVE SER RESTITUÍDA, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DO AUTOR – RECURSO DESPROVIDO. (TJ/SP; Apelação Cível nº 1085691-92.2019.8.26.0100; Relator Carlos Abrão; 14ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 16/03/2020);

 
 
 

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